31.5.12

Decreto Papal excomunga comunistas e socialistas, bem como seus apoiadores, votantes, amigos em armas...

Decretum Contra Communismum: Decreto do Santo Ofício que excomunga 
os católicos que colabararem com o comunismo ou o socialismo1949 

Decreto do Santo Ofício de 1949

Papa Pio XII


. 1 Utrum licitum nomen dare vel eisdem favorem praestare.

[Acaso é lícito dar o nome ou prestar favor aos partidos comunistas?]

R. Negative: Communismum enim est materialisticus et antichristianus; 
communistarum autem duces, etsi verbis quandoque profitentur se 
religionem non oppugnare, se tamen, sive doctrina sive actione, 
Deo veraeque religioni et Ecclesia Christi sere infensos esse ostendunt.

Q. 2 Utrum licitum sit edere, propagare vel legere libros, periodica, diaria 
vel folia, qual doctrine vel actioni communistarum patrocinantur, vel in 
eis scribere. [Acaso é lícito publicar, propagar ou ler livros, diários 
ou folhas que defendam a ação ou a doutrina dos comunistas, 
ou escrever nelas?]
R. Negative: Prohibentur enim ipso iure

Q. 3 Utrum Christifideles, qui actus, de quibus in n.1 et 2, scienter 
et libere posuerint, ad sacramenta admitti possint. [Se os cristãos 
que realizarem concientemente e livremente, as ações conforme
 os n°s 1 e 2 podem ser admitidos aos sacramentos?]
R. Negative, secundum ordinaria principia de sacramentis 
denegandis iis, Qui non sunt dispositi

Q. 4 Utrum Christifideles, Qui communistarum doctrinam 
materialisticam et anti Christianam profitentur, et in primis, Qui 
eam defendunt vel propagant, ipso facto, tamquan apostatae 
a fide catholica, incurrant in excommunicationem speciali 
modo Sedi Apostolicae reservatam. [Se os fiéis de Cristo, que 
declaram abertamente a doutrina materialista e anticristã 
dos comunistas, e, principalmente, a defendam ou a propagam, 
"ipso facto" caem em excomunhão ("speciali modo") reservada 
à Sé Apostólica?]
R. Affirmative


Comentários

Deste modo todos os católicos que votarem (é uma espécie de 
prestar favor) ou se filiarem em partidos comunistas, escreverem 
livros filo-comunistas, ou revistas estão excluídos dos sacramentos.

Os que defenderem, propagarem ou declararem o materialismo 
dos comunistas também estão excomungados automaticamente.

Esse decreto do Santo Ofício de Pio XII, que foi confirmado 
por João XXIII em 1959, continua válido. Aliás, Pio XII trabalhou 
pessoalmente contra o comunismo na Itália.

Tal condenação do comunismo se soma às condenações feitas 
por Pio IX, Leão XIII, São Pio X, Pio XI, Pio XII (ele também 
condenou em outras oportunidades), João XXIII, Paulo VI, Concílio 
Vaticano II (reiterou as condenações precedentes) e João Paulo II.

Faz mais de cem anos que a Igreja Católica condena o comunismo, 
socialismo e qualquer tipo de materialismo e igualdade material. 
A pena para os que desobedecem a proibição de ajudar o comunismo 
(ou suas variantes) sob qualquer aspecto (incluindo a votação nos 
partidos filo-comunistas) é a excomunhão automática.

"Socialismo religioso, socialismo cristão, são termos contraditórios: 
ninguém pode ao mesmo tempo ser bom católico e socialista verdadeiro" 
(Pio XI)

15.5.12

OS 7 PECADOS CAPITAIS


OS 7 PECADOS CAPITAIS
A. Boulenger
(Doutrina Católica – Manual de Instrução Religiosa – Moral)
Vocábulos
1º. Pecados capitais. 1º. O termo pecado tem, nesta lição, duplo sentido. Significa:

a) vício
, quando se consideram a soberba, a avareza, a luxúria, etc., como maus hábitos que levam ao pecado;

b) pecado atual, quando se trata de um ato transitório, seja ele causado por uma disposição habitual ou não. Assim muitos cometerão o pecado de orgulho, sem ter o vício de soberba.

2º. Capitais (do latim "caput": cabeça, fonte). De acordo com a própria etimologia da palavra, esses pecados tem tal nome:

a) porque podem ser pecados gravíssimos, dignos da pena de morte;

b) porque, nos primeiros séculos da Igreja, eram equiparados a outros muito graves, como a idolatria, o homicídio, o adultério, e condenados a uma penitência pública;

c) porque são origem, fonte de vários outros, ainda que não sejam necessariamente e sempre, pecados mortais.

PECADOS CAPITAIS
Há sete pecados, ou vícios, que podem ser tidos como graves, quer quanto à sua natureza, quer quanto às suas conseqüências. Estes sete pecados capitais são:

1) Soberba;
2) Avareza;
3) Luxúria;
4) Inveja;
5) Gula;
6) Ira;
7) Preguiça. 


Alguns: soberba, avareza, inveja, ira e preguiça, quando desídia do intelecto, são mais especialmente pecados do espírito. A luxúria e a gula, pelo contrário, são pecados do corpo.

1. SOBERBA

1º. Natureza. Soberba é a estima excessiva da própria pessoa. Manifesta-se principalmente de três maneiras:
a) o soberbo mostra-se ufano das qualidades que tem, não se lembra que deve por elas dar glória a Deus: "Que tens tu, diz São Paulo, sem o teres recebido? E se o recebeste, como é que te glorias, como se aquilo fosse teu?" (I Cor IV, 7);
b) atribui-se dotes que não possui;
c)rebaixa as vantagens dos outros. É parecido com o fariseu que coteja suas virtudes com os senões do próximo.
2º. Derivadas da soberba. A soberba produz a ambição, a presunção, e a vanglória.
A. Ambição é o desejo descomedido de glória, honras, fortuna, poder, etc. o ambicioso anda atrás das posições de destaque e das dignidades. "Apreciam o primeiro lugar nos banquetes, os assentos mais elevados nas sinagogas" (Mt XXIII, 6) diz Nosso Senhor, falando dos Escribas e dos Fariseus.
B. Presunção é a demasiada confiança em si próprio. Presunção e ambição não raro andam a par. O presunçoso exagera seus talentos, julga-se preparadíssimo para qualquer encargo. E trata de meter-se em negócios e empregos altos, para os quais lhe falecem habilidades e competência.
C. Vanglória é a mania de se envaidecer por predicados, mais brilhantes e espalhafatosos, do que reais e sólidos; de colher louvores, e pasmar os circunstantes, quanto não há motivo para tanto. Este gaba-se de uma estirpe nobre, de linhagem ilustre; aquele é altaneiro por causa do palacete; este outro, é pela roupa, ou pelo automóvel. Esquecidos, todos, de que se houver glória nisso, não é a eles que deve ninbar (não quer dizer que todo luxo é soberba e impostura. Não é, quando fica em relação natural com a posição que se ocupa na sociedade. Então, justifica-se no ponto de vista hierárquico e econômico. Quem não atendesse às exigências da fortuna que possui cairia no excesso oposto que entra no segundo pecado capital [avareza]).
A vanglória, por sua vez, gera:
a) a jactância. A jactância, a bazófia, ou gabolice está doida pelos elogios. Baba-se por eles, suplica-os. E quando não os consegue logo, vai-se, o sujeito, encomiando a si mesmo. Nas palestras, não deixa os outros falar. Só ele, só dele. Não aprecia os companheiros, nem se importa com eles, e por isso, conta, o que fez e não fez, mandou e desmandou, suas boas obras, virtudes, esmolas (em dois casos é permitido dar a conhecer o bem que se obrou: a) para livrar-se de censura imerecida; b) para instruir e edificar o próximo, como o pratica São Paulo na Epístola aos Gálatas);
b) a hipocrisia é outro fruto espúrio da vanglória. As felicitações que os gabolas se outorgam nos seus alardes palavrosos, o hipócrita quer granjeá-las por seus atos fiteiros, e suas virtudes de aparato. Anda deslembrado dos conselhos de Nosso Senhor: "Tende cuidado em não fazer vossas boas obras para serdes vistos pelos homens ... quando dais esmola, não toqueis trombeta, como costumam os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para que vos honrem os homens' (Mt VI, 1,2);
citemos, ainda, o aferro, a obstinação, a teimosia, três vocábulos mais ou menos sinônimos, exprimindo o apego que se tem ao próprio parecer, não querendo que vingue a opinião dos outros, nem até quando a razão está com eles.
3º. Malícia da soberba. É pecado grave, quando o orgulho quer elevar-se acima de Deus e dos superiores. É tido como fonte de todos os males.
4º. Remédios. Os meios para curar a chaga do orgulho são:
a) um exame atento, demorado, sincero, das nossas misérias, das nossas falhas e fraquezas; da inconsistência dessas coisas que nos envaidecem;
b) a contemplação da humildade de Nosso Senhor, que, sendo Deus, se rebaixou a ponto de revestir-se da humanidade, e sujeitar-se a todas as contingências mais triviais e vis da nossa natureza; depois, a todos os ultrajes.

2. AVAREZA


1º. Natureza. Avareza é o amor desregrado às riquezas. Assume duas modalidades:

a) É avarento o que anda aflito por ganhar mais dinheiro, sempre excogita artes de aumentar seus cabedais, e antes trata os bens como donos do que como servos. A fortuna, para ele, é um fim, e não o meio de prover às necessidades da existência.

b) É avarento mais encontradiço, o que está afeiçoado a seus tesouros. Sovina. Não dá nada. E quando precisa gastar, parece que lhe arrancam um pedaço da alma. A economia é outra coisa. Consiste em regular as despesas pelos rendimentos,: aquelas não excedendo estes. Não é vício. É virtude preciosa, estímulo do trabalho, e mãe da prosperidade. A avareza tanto se aninha no coração do pobre, como no do rico. Avulta, não raro, com a idade. Recrudesce com a velhice.

2º. Efeitos. Da avareza nascem:
a) a injustiça para com o próximo: fraudes, trapaças, roubos;
b) a traição: Judas vendeu seu Mestre por trinta moedas;
c) o empedernimento do coração para com os indigentes. O avarento não se compadece da miséria: nunca abre a mão para obsequiar, para dar esmola aos pobres.

3º. Malícia. A avareza pode vir a ser pecado grave:
a) contra Deus: o avarento prefere, com efeito, a tudo, o dinheiro. Adora o ouro. É seu ídolo. Deus não existe mais para ele.
b) contra o próximo: o avarento, certo é que não cumpre o dever de caridade. E este dever, em determinados casos, constitui obrigação imperiosa.

4º. Remédios. Dois remédios podem fazer bem ao avarento:
a) lembre-se amiúde que tudo passa neste mundo; que são perecedouros, frágeis, e de pouquíssimo valor, os bens da terra. Caducam rapidamente. Única riqueza de verdade é amar a Deus.
b) medite nos exemplos de Jesus Cristo. Era riquíssimo, quis nascer, viver e morrer, paupérrimo.


3. LUXÚRIA


Luxúria, ou lascívia, é o vício contrário à pureza, proibido pelo 6º e 9º Mandamentos da Lei de Deus.

I. A pureza. 6º e 9º Mandamentos

1º. Excelência da virtude da pureza. A castidade, ou pureza, consiste na abstenção dos prazeres carnais ilícitos. Nenhuma virtude tem mais valor do que a castidade, porque ela, melhor que as outras, é o domínio do espírito sobre a carne, da alma sobre o corpo. Por isso, não  é de estranhar que esta virtude, preceito ou lei natural muito embora, fique sendo como que apanágio e monopólio da religião católica. É a pura verdade afirmar que não a conheceu o mundo pagão, e que, hoje em dia, desabrocha e viceja apenas no ambiente do Catolicismo.

2º. Objeto do 6º e 9º Mandamentos. O 6º e 9º Mandamentos da Lei de Deus proíbem os pecados de luxúria, contrários à virtude da pureza. Única diferença entre os dois, é que o 9º, repetindo o 6º, vai além, reforça a proibição, abarcando a mais os maus pensamentos e maus desejos. Assim, enquanto o 6º Mandamento veda atos, olhares e palavras ofensivas da modéstia cristã, o 9º atalha o mal na própria fonte, e condena o simples pensamento impuro, o simples desejo desonesto: de um lado, pois, os atos exteriores, e do outro, os atos interiores, como sendo, estes, causa daqueles, e comparáveis à fagulha que ateia o incêndio. Na explanação desta matéria, andaremos lembrados, de contínuo, dos prudentes avisos de Santo Afonso de Ligório e São Francisco de Sales, concordes nisso, e ambos com São Paulo, dizendo que não é bom, tocar em termos muito explícitos nestes assuntos, e que já se ofende a castidade, só com o nomear a impureza.

II. O que é proibido pelo sexto Mandamento da Lei de Deus.

O 6º Mandamento da Lei de Deus proíbe:

1º. As más ações. Há certas coisas indecentes que o menino não se atreveria a praticar à vista de seus pais ou de seus mestres, e que desonram e envergonham os autores, quando essas coisas vêm a ser conhecidas. Ora, aquilo, ainda que fique ignorado dos homens, não está escondido aos olhos de Deus. Logo, é pecado mortal por natureza. Sempre. Esteja, o culpado, só, ou na companhia de outras pessoas. Entretanto, a malícia varia segundo a qualidade destas pessoas e segundo as coisas más que se fazem.

2º. Maus olhares. Consistem em demorar a vista, por gosto e sem necessidade, nos objetos ou nas pessoas que podem excitar as paixões: por exemplo, estátuas, imagens ou pessoas que não têm a devida decência.

3º. Escritos e palavras desonestas. Quer dizer, qualquer escrito (maus livros e maus jornais), qualquer palavra (cantigas ou conversas despudoradas) que ofendem o recato, ou abertamente, às escâncaras, ou disfarçadamente, por meio de equívocos, ambigüidades, reticências. Nada mais prejudicial do que as más leituras. Quanto às más conversas, afirma São Paulo (I Cor XV, 33) "que corrompem os bons costumes".

III. O que proíbe o 9º Mandamento

O 9º Mandamento proíbe:

1º. Os maus pensamentos. O pecado de pensamento, que os teólogos, chamam de "deleitação morosa", consiste em se demorar, voluntariamente, na imaginação de uma coisa ruim, sem querer mesmo chegar à prática da mesma. Tal deleitação, ou gozo, é chamada morosa, do vocábulo latim "mora" atraso, diz Santo Tomás, porque a razão, em lugar de repelir sem tardança, como fôra de mister, as cogitações impuras que se apresentam, se demora nelas (immoratur), as acolhe com agrado, e nelas se compraz livremente (por aí se vê que vai grande diferença entre "deleitação morosa" e "sugestão má". Esta independe da vontade. É uma tentação, nem mais nem menos). Quem se entregou à deleitação morosa tem que declarar na confissão, a natureza específica deste pensamento; por exemplo, se tem voto de castidade, ou se as cogitações diziam respeito a uma parenta, ou a uma pessoa casada. É pecado mortal, quando a coisa é mesmo ruim, e o consentimento pleno. Do contrário, é venial. E não há pecado nenhum, quando se combate e se afugenta a representação do mal, e se reprova.

2º. Os maus desejos. O desejo é mais do que o pensamento, porque, com a imaginação do ato mau, está a intenção e vontade de praticá-lo. Perante Deus, é a mesmíssima coisa: querer ver, ouvir ou fazer, coisas impudicas, e ver, ouvir, ou fazer. Agora os desejos desonestos são como os pensamentos: culpados, exatamente na proporção em que são voluntários.

IV. Gravidade dos atos contra a pureza.

É facílimo avaliar a gravidade dos atos contra a pureza, pela meditação das conseqüências desastradas que acarretam na alma e no corpo:

a) Na alma. Nublam, entenebrecem, e materializam, a inteligência. Cegam-na para as coisas de Deus (I Cor II, 14). Desmoralizam e embrutecem o coração que, então, se separa e afasta de Deus, abandona a religião, cai na impiedade.

b) No corpo. A impureza estraga a saúde, exaure as forças, traz as doenças mais repugnantes e vergonhosas, as enfermidade mais asquerosas, e não raro, fim prematuro. Portanto, são mortais, geralmente, os pecados de impureza, a não ser que a irreflexão diminua esta gravidade.

V. Causas que levam à impureza.

As causas determinantes de pecados contra a castidade podem se classificar em: exteriores e interiores.

1º. Causas exteriores. São as que deparamos fora do nosso espírito viciado e do nosso coração corrupto pelo pecado original:

a) As más leituras. Esta rubrica geral abrange os livros ímpios, licenciosos, jornal ruim, revista ruim, e em especial, folhetins e romances que pintam ou encarecem o vício: denominam-se realistas ou naturalistas, e o que querem, é estadear o crime em todos seus pormenores, toda a hediondez, sem rebuços; ou denominam-se psicológicos, pretendendo escalpelar as almas com seus sentimentos mais abjetos, em todos seus refolhos. Uns e outros provocam desgraças. Não há iludir ou anestesiar a consciência. Ninguém se imuniza contra este tóxico violento, traiçoeiro e fatal. Dirão que procuram unicamente as belezas literárias, o encanto das descrições, a magia do estilo. É verdade. Isca fementida. Engodo. Procura-se tudo isso, e encontra-se mais alguma coisa: o veneno, que a alma engole por doses pequenas ou grandes, e que mata. Não se hão de perlustrar pântanos lodosos e pestilenciais sem apanhar pingos de lama. É absurdo. E será mesmo tão minguada a nossa literatura, que só nesses charcos se poderão descobrir modelos de estilo, de bela dição, de alta cultura clássica?

b) Espetáculos. Teatros e cinemas não são maus por índole, por natureza, é claro. Haveriam mesmo de aformosear a alma, educar a vontade, e nobilitar o coração. Infelizmente, sucede quase sempre o contrário. E passam a ser verdadeiras escolas do crime e da imoralidade. Glorificação do vício, apoteose e triunfo da impureza, e menosprezo ou escárnio da virtude, isto é que é. Alexandre Dumas o disse alto e bom som: a mãe prudente não assiste aos espetáculos, e muito menos levaria aí sua filha.

c) Dança e baile. Sendo exercício corporal, a dança é ginástica nada reprovável. A Bíblia refere, em muitas passagens, sem nota alguma pejorativa, as danças praticadas pelas moças e senhoras de Israel, para divertimento (Juízes XXI, 21, 23; Jerem. XXXI, 4,13) antes religioso, manifestação de piedade, do que mundano. A filha de Jefté vai ao encontro do pai, e vai dançando com uma porção de companheiras (Juízes XI, 34). Quando Davi, vencedor de Golias, regressa triunfante, as mulheres de Israel o ovacionam e celebram, com danças, a glória dele (Reis XVIII, 6, 7; XXI, 11). Davi ia dançando diante da Arca da Aliança, que ele mandava recolher, com inaudita pompa (II Reis VI, 5). Nota-se, entretanto, que, as mais das vezes, dançavam, as jovens, sozinhas, separadas dos moços (Ex XV, 20; I Samuel XVIII, 6).

A dança moderna, conhecida por nomes variadíssimos, é outra coisa. Altamente condenável, por causa da liberdade infrene que nela reina, dos encontros que ali se realizam. Excetuando determinadas reuniões de família, a regra geral é que não se deve dançar. Muito menos ainda, se hão de freqüentar bailes públicos, ou bailes mascarados, que são os mais perigosos. Em que conta teremos os tais bailes de caridade? São organizados para angariar donativos, para aliviar os desamparados, ou as vítimas de alguma calamidade: inundação, seca, incêndio, etc.; motivo de beneficiência. Ora, para saber o que vale este sistema, examinemos o caso. Será, um baile, mais puro e menos arriscado, porque o fim é a esmola? Que tem uma coisa com outra? Onde é que se viu alterada a essência de uma coisa porque se lhe mudou o destino?

d) Reuniões mundanas e más companhias. "Dize-me com quem andas, que te direi quem és". A freqüentação, os passeios, as amizades, ou familiaridade com pessoas levianas, frívolas, em busca de passatempos quaisquer, e que gastam o dia no ócio e na moleza, são também causas de muitos pecados de impureza.

e) Modas desonestas. Nos trajes femininos, a moda apresenta, por vezes, excentricidades que constituem verdadeiro desafio e insulto ao bom gosto e ao pudor. Tais modas são reprovadas pela religião, pela moral, e até pelo senso comum.

2º. Causas interiores. As causas provenientes de nós mesmos são:

a) Orgulho. Deus não ama os que "se ensoberbecem nos seus juízos", desampara-os, e deixa-os "entregues a paixões de ignomínia" (Rm I, 21,26).

 
b) Intemperança. "Não vos embebedeis com vinho, diz São Paulo, isto é, fonte de devassidão: mas inebriai-vos do Espírito Santo" (Ef V, 18). Quem anda atrás dos deleites dos festins, dá a mão às tentações da carne e da concupiscência.

 
c) Ócio. A preguiça é mãe de todos os vícios, e São Jerônimo afirma, desassombrado que, se está um demônio solicitando ao mal o homem que trabalha, estão mais de cem demônios tentando o que está desocupado.

VI. Remédios contra a impureza.

1º. Meios naturais.

a) é preciso lembrar, primeiro, a fuga das ocasiões que podem levar ao pecado, quer dizer, a supressão, de vez, de todas as causas acima mencionadas.

A ocasião se diz remota ou próxima.

a) Ocasião remota é a que conduz, de modo muito indireto, até a ofensa a Deus. Tais ocasiões enxameiam pelo mundo, não há como evitá-las sempre, porque se alastram por todas parte. A melhor boa vontade não o conseguiria. Fugir delas não constitui obrigação.

b) Ocasião próxima é a que provoca a tal ponto que é quase certo cometermos o pecado, se ela não for removida. (1) A ocasião próxima será necessária de necessidade física ou  moral: necessidade física, quando é de todo impossível suprimi-la; necessidade moral, quando a dificuldade é grande. Em ambos estes casos, é preciso lançar mão de todos os preservativos e orações, recepção dos Sacramentos da Penitência e Eucaristia. Renovar, amiúde, o propósito de  nunca mais pecar. (2) Ou a ocasião próxima pode ser afastada, e então, há obrigação imperiosa de removê-la. É condição "sine qua non" para obter a absolvição. A Igreja impõe esta regra, porque conhece o que diz a Sagrada Escritura: "Quem ama o perigo, há de cair no abismo" (Ecl. III, 24).

b) a vigilância é guarda dos sentidos, da imaginação e das afeições;
c) a humildade;
d) a mortificação;
e) o trabalho, são outros tantos meios naturais e auxiliares poderosos na luta pela pureza.

2º. Meios sobrenaturais. Com os meios naturais, é indispensável ainda, o emprego dos meios sobrenaturais. Os principais são:

a) Oração. Deus nada recusa a quem pede.
b) Confissão. Desvendar a chaga é curá-la.
c) Comunhão freqüente. A Eucaristia é o alimento da força.
d) Devoção a Maria Santíssima. Vendo perigo, a criancinha recolhe-se junto da mãe. Maria Santíssima é mãe de todos nós, e ela tanto estima a virtude de pureza, que protegerá seus devotos que lhe suplicam auxílios, que se recolhem pela prece, à sombra benéfica de sua égide maternal.


4. INVEJA


1º. Natureza. A inveja deriva-se da soberba. Consiste no regozijo pela desgraça que sucede ao próximo e no pesar pela boa sorte dele, como se a felicidade alheia perturbasse a nossa. Logo, a inveja tem duas caras: expandida e risonha perante o mal dos outros; amarrada e tristonha diante da prosperidade alheia.

O distintivo essencial da inveja é a falta de caridade. Portanto, não tem inveja:

1. quem se entristece porque vê que é feliz e passa bem uma pessoa que não o merece. Não é inveja, é "zelo desatinado" porque a repartição dos bens deste mundo é da conta exclusiva de Deus;

2. quem fica triste com a promoção de fulano, porque isto poderá causar transtornos; é "temor legítimo", se não ajuizado;

3. quem anda acabrunhado, porque outro ganhou o lugar que ele mesmo havia pleiteado por seus esforços; chama-se "brio, emulação".

Ciúme é uma face da inveja. Não se alegra com os reveses e dissabores alheios. Mas tem o receio exacerbado de perder o bem que possui, e cobiça violentamente o bem dos outros.

2º. Efeitos. Da inveja nascem a calúnia, a maledicência, a delação, as rivalidades, as discórdias, o ódio e até o homicídio.

3º. Malícia. A inveja ofende a caridade que devemos ao próximo. É tanto mais culpada quanto mais avultado fôr o dano que ela causar aos outros.

4º. Remédios.

a) primeiro meio para tratamento desta enfermidade moral é recordarmos que todos os homens tem igual natureza e igual destino. Não são irmãos em Cristo todos os católicos? E não são todos eles membros da mesma sociedade que é a Igreja?

b) segundo meio, é ponderarmos as conseqüências nefandas que formam o séquito da inveja.

 
5. A GULA.


1º. Natureza. Gula é o amor desordenado ao alimento. Quando se aplica de modo especial à bebida chama-se embriaguez, alcoolismo.

A. Considerada em geral, a gula manifesta-se de duas maneiras:

a) pelo excesso na quantidade. O guloso multiplica as refeições; come a torto e a direito; ou então come demais, ou muito depressa, avidamente;

b) por excessiva exigência na qualidade. Peca por gula o que procura iguarias finas, e requinta nos prazeres do paladar; e até, quem repisa, a toda hora, na conversa, esses tópicos.

B. Embriaguez é a forma mais torpe e repugnante da gula. Com efeito, quem cai neste vício até ficar bêbado, perde o uso da razão e resvala abaixo dos brutos.

C. Alcoolismo é a paixão dos excitantes, das bebidas fortes. O alcóolico não chega a embebedar-se; mas, em doses exageradas e múltiplas, ingurgita o temível veneno. Tornou-se hábito, necessidade fatal.

2º. Efeitos. A gula em geral provoca:

a) o abandono das obrigações religiosas;

b) a transgressão das leis do jejum e da abstinência;
O alcoolismo tem conseqüências ainda mais desastradas. Com efeito, o alcoolismo não é senão embriaguez no estado crônico:

a) no indivíduo viciado por este funestíssimo hábito, aparecem as doenças mais impiedosas (...) As faculdades intelectuais embotam-se gradualmente, e breve, a vítima acha-se como que bestificada. No ponto de vista moral destrói o pudor e os brios, deixando apenas a medrar os instintos da animalidade.

b) na família é fautor de anarquia. O alcóolico foge do lar; deixa no desamparo mulher e filhos. E se, porventura ainda trabalha, gasta com o vício tudo o que vai ganhando.

c) para a sociedade também o alcoolismo é um flagelo, um cancro. Nos países onde grassa, queima as veias de um povo inteiro, dessora e desfibra a raça mais profundamente do que a chacina das batalhas.

3º. Malícia.
O amor exagerado do comer e do beber não é, em si, pecado grave. Adquire, porém, este caráter, quando levado ao ponto de menosprezar e transgredir o preceito da penitência.
Com a embriaguez, o caso é outro. Quando acidental e involuntária, desculpa-se; mas se for propositada, é pecado mortal. Quanto às faltas cometidas pelo bêbado, ele é responsável no grau em que as previu: a culpabilidade não está no ato, está na causa.
Tanto mais culpado é o alcoolismo quanto mais lamentáveis são os estragos que produz.

4º. Remédios. Para sanar este defeito da gula são eficazes as seguinte receitas:

a) evitar tudo o que lisonjeia demais o paladar, como as iguarias saborosas e muito finas;

b) pensar que isto de comer e beber não é o fim da atividade humana. Existe o alimento para a vida, não a vida para o alimento.

c) os pais devem incutir no ânimo dos filhos o amor da temperança e sobretudo dar-lhes bons exemplos a respeito.

d) as donas de casa zelem por ter um lar confortável e atraente, que agrade às visitas, ao esposo e aos filhos, desviando-os da freqüentação de tabernas e botequins.


6. IRA


1º. Natureza. Ira é um movimento desordenado da alma que se revolta contra o que não lhe apraz. Muitas vezes, é o resultado do orgulho que se julga melindrado, e quer desforçar-se. Mas é também uma paixão proveniente da índole, e que a vontade custa a senhorear.
Nem sempre alcança, a ira, o mesmo grau de violência. Por isso distinguem-se:

a) a impaciência;
b) a raiva;
c) o arrebatamento, que se derrama em berros e desaforos;
d) o furor, que se traduz por insânias, acessos próximos da loucura;
e)a vingança, que é o desejo cultivado de prejudicar a quem nos desagradou.

Há certa cólera que não é pecado. Vem a ser, apenas, justa indignação, quando se manifesta dentro de limites razoáveis: na hora azada, contra quem a merece, e com intensidade prudente. Um pai de família se mostrará oportuna e eficazmente irritado com o comportamento mau do filho, e infligirá uma correção enérgica que produza frutos de emenda. Um superior de comunidade, no desempenho do seu cargo, castiga publicamente uma ofensa à regra. A cólera, então, não é vício, é virtude.

Na Sagrada Escritura, temos muitos fatos destes. Moisés, ao deparar com o bezerro de ouro, deixa-se arrebatar pelo furor da ira santa, e quebra as tábuas da Lei (Ex XXXII, 19). Deus, muitas vezes, ira-se contra os pecadores (Sl CV, 40). Nosso Senhor lança mão do chicote, e tange para fora, irado, os vendilhões do Templo (Mt XXI, 12). Zanga com os Fariseus, que andavam espiando, para ver se haveria de curar, em dia de Sábado, o enfermo com a mão ressequida (Mc III, 5). São cóleras santas que têm justificativa no fim almejado: debelar ou fustigar o mal, e emendar os pecadores.

2º. Efeitos. A ira gera as disputas, as quisílias, doestos e vitupérios, brados e invectivas, rancor, ódios, assassínios e demandas.

3º. Malícia. Quando a cólera provém da índole, do gênio, é culpa venial só, a não ser que se desmande em crises, e seja deliberada. Quando inclui o desejo desnorteado de vingança, ofende a justiça ou a caridade, e então é pecado grave.

4º. Remédios. Para amordaçar e refrear a cólera, é preciso:

a) atalhar logo o primeiro ímpeto;
b) lembrar-se do preceito do Senhor: "Amai vossos inimigos ... fazei o bem aos que vos odeiam" (MT V, 44);
c) meditar o exemplo do divino Mestre, Cordeiro manso e humilde de coração.


7. PREGUIÇA


1º. Natureza. Preguiça é o apego desmedido ao descanso que leva a omitir nossas obrigações, ou a descuidá-las. O espírito e o corpo do homem que trabalha necessitam de repouso. Mas, este não pode vir a ser regra geral, e com que o único fruto da existência.

Distinguem-se:
a) preguiça espiritual;
b) preguiça corporal.

Aquela é falta de ânimo, de coragem no cumprimento dos deveres religiosos, na oração. Esta é desleixo das nossas obrigações de estado.

2º. Efeitos. A preguiça faz ociosa a vida, e franqueia, a todas as tentações, os caminhos da alma. "A preguiça é a mãe de todos os vícios". A preguiça espiritual põe em perigo a salvação  eterna, pois "cada um há de receber a própria remuneração, conforme o próprio trabalho" (I Cor III, 8).

3º. Malícia. É pecado grave, a preguiça, quando chega até o esquecimento de Deus e das nossas obrigações mais importantes.

4º. Remédios. Para extirpar a preguiça, reflita-se que o trabalho é lei universal imposta pelo Criador. Os ricos não são dispensados. Existe, para eles, o grande dever da caridade, que os manda trabalhar a fim de aliviar, mais eficazmente, a sorte dos pobres.

8.5.12

AS QUATRO NOITES DA SALVAÇÃO - 2ª NOITE - A NOITE DE ABRAÃO OU DA FÉ



Criador: Arcebispo - Bruno Forte - Presidente da comissão episcopal para a doutrina da fé

A NOITE DE ABRAÃO OU DA FÉ - SEGUNDA NOITE

A segunda noite foi quando o Senhor se manifestou a Abraão que já tinha cem anos, enquanto Sara sua esposa tinha noventa, para que se cumprisse o que diz a Escritura: 
A verdade é que Abraão gera com a idade de cem anos e Sara deu à luz com noventa. 
Isaac tinha trinta e sete anos, quando foi oferecido sobre o altar. Os céus baixaram-se e desceram e Isaac contemplou as suas perfeições e seus olhos ficaram deslumbrados com as suas perfeições. 
E Ele chamou-lhe: noite segunda (qiddush da segunda taça).
Se a primeira das quatro noites da salvação é a da humildade de Deus e do homem que lhe corresponde no amor, a segunda é a da fé, inseparavelmente ligada àquele que é o pai dos crentes: Abraão. 
Quem é Abraão? Qual foi a sua história, qual o seu caminho de fé? Os textos onde podemos buscar a resposta para estas perguntas são sobretudo dois: os capítulos 12 e 22 do livro do Gênesis, a vocação de Abraão e a “´aqedah” (ou atamento”) de Isaac, isto é, a cena do sacrifício no monte Moriá. 
Abordemo-los, interrogando-nos previamente: qual é a noite em que Abraão se encontra quando é chamado por Deus?
Abraão não é um super-homem; pelo contrário, é um homem com as suas contradições, as suas ambiguidades, as suas máscaras, como quando no Egito apresenta a sua belíssima Sara, sua esposa, como sua irmã para não ser objeto de
possíveis golpes de quem pretendesse tomá-la. 
Sobretudo, Abraão tem um medo interior que é, ao mesmo tempo, uma grande dor: a ideia de morrer sem descendência ! Nos tempos de Abraão não existia a fé na imortalidade pessoal: segundo o juízo comum, a vida era a que se vive neste mundo, encerrada entre o grito do nascimento e o grito da morte. 
Portanto, tudo o que um homem podia dar ou receber, devia dá-lo ou recebê-lo nos anos de sua vida mortal, Abraão foi, com toda a certeza, influenciado pela mentalidade de seu tempo: para ele, ter um filho era uma questão de vida ou de morte.
Em suma, o pai dos crentes, alguém absolutamente semelhante a nós, com as fragilidades próprias da condição humana, com as incertezas, as dúvidas e as interrogações que todos temos. 
O que aconteceu a este homem para mudar-lhe tanto a vida para sempre? 
Deus chama-o: na verdade, são duas as chamadas, relatadas respectivamente em Gênesis 12 e em Gênesis 22. 
No primeiro texto, o Senhor pede a Abraão que deixe a sua terra, as suas certezas; deixar as suas seguranças custa sempre e custa ainda mais quando já se tem muitos anos e hábitos enraizados, quando se está muito ligado às certezas pessoais, como o cão ao seu pequeno osso. 
Na verdade, todos nós amamos muito a nossa noite!

No entanto, Deus promete-lhe algo de muito bom: a plenitude da benção, a descendência numerosa como as estrelas do céu e como a areia que há nas praias do mar. 


A quem não tinha filhos, tal promessa parece um sonho: para Abraão, Isaac, o filho que lhe será dado, será verdadeiramente “o sorriso de Deus”, como significa o seu nome! 

A chamada é demasiado bela para não ser aceita. Por isso, Abraão decide obedecer à palavra de Deus e parte, deixando a sua terra, em direção à terra prometida, em direção ao Isaac do seu coração. 

Deste modo, porém, Abraão, não desceu ao fundo da noite para aproximar-se da aurora: na realidade, ele respondeu a um Deus que lhe dava exatamente o que ele queria. 

A chamada de Gênesis 12 é a projeção do desejo do coração, em cuja perspectiva até as maiores renúncias se tornam aceitáveis, porque, então, valem o sacrifício. 

Se tudo parasse aqui, Abraão não seria o pai dos crentes nem a sua noite seria a segunda das quatro noites da salvação: para que se tenha fé, é necessário que se mude profundamente o coração, que seja marcado para sempre, com algo que nos subverta a vida e nos leve, somente perante Deus, a viver a noite mais escura, a oferta mais difícil, o maior dom e o amor mais profundo. 

É isto que acontece em Gênesis 22, 1-18, o segundo chamamento de Abraão, aquele que, na tradição hebraica, é chamado “´aqedáh” ou “atamento” de Isaac. 

Antes de tudo é a ordem de Deus: “ Pega no teu filho, no teu único filho, a quem tanto amas, Isaac, e vai à região de Moriá, onde o oferecerás em holocausto, num dos montes que Eu te indicar”.

Agora, Abraão entra na noite mais escura: já não consegue dizer mais nada. Cala-se. O Deus que o chamou, prometendo-lhe tudo o que ele desejava no mais profundo do seu coração e lhe deu a alegria do seu Isaac, este mesmo Deus pede-lhe que se prive de Isaac. 

É de enlouquecer! Como é possível que Deus negue as promessas de Deus?

Como é possível que o mesmo Deus que o levou a deixar tudo para lhe dar tudo segundo o seu desejo, lhe exija agora que sacrifique tudo, mais, que sacrifique a única coisa que para ele verdadeiramente conta na vida, o filho, o amado do seu coração? 

É esta a noite de fé de Abraão: é a derrota de Deus, é o oferecimento inquietante de um Deus que parece negar-se a si mesmo, que nos tira o que nos tinha dado: como é possível?

Soren Kierkegaard , ao comentar este episódio bíblico, no belíssimo livro intitulado Temor e Tremor, imagina que, quando Isaac pergunta “onde está a vítima para o holocausto?” e o pai lhe responde “Deus proverá quanto à vítima para o holocausto, meu filho”, pela mente de Abraão perpassa uma oração silenciosa: “Senhor do céu, é melhor que
ele me julgue um monstro, a que perca a fé em ti.” 

Abraão compreende que se dissesse a Isaac que Deus quer sacrificá-lo, o rapaz nunca mais poderia crer em Deus. 

Então, prefere que o filho pense que o pai é um monstro, em vez de perder a fé no Altíssimo. 

Abraão ama Deus de tal maneira que não somente está pronto a sacrificar-lhe o amado do seu coração, mas também a ser julgado um monstro pelo filho, a fim de que este não perca a fé.
Kierkegaard acrescenta aqui uma reflexão fulgurante: ”Uma pessoa é tão grande quanto as suas expectativas; uma torna-se grande esperando o possível, outra esperando o eterno; mas quem espera o impossível torna-se maior que todos.” 

Abraão aposta na possibilidade impossível de Deus sobre o acontecimento, isto é, aposta em que o mesmo Deus, que deu e que tirou, é o Deus em quem tem de confiar. 

Deus tem sempre uma alternativa impossível.

Por isso, Abraão confia em Deus, mesmo no tempo do silêncio de Deus. Esta é a sua grandeza: confiar no Senhor não só quando tudo corre bem, mas sempre, mesmo na noite escura, quando Ele parece querer tirar-lhe o Isaac do seu coração. 

Abraão deixa de raciocinar em termos de cálculo humano: “do ut des”, dou isto e receberei aquilo. 

Abraão crê e abandona-se perdidamente, confia e confia-se... É ainda Kierkegaard quem anota: “Deus é aquele que exige amor absoluto,” Não se ama a Deus quando se ama as consolações de Deus; ama-se a Deus, quando o amamos, queira ele o que quiser para nós.

Para o amor, nenhum sacrifício é demasiado grande; de fato, só se pode sacrificar o que se ama. 

Sacrificar o que não se ama é até demasiado fácil: o difícil é oferecer a Deus o amor verdadeiro da nossa vida! Diz Kierkegaard: “Abraão ama Isaac com toda a alma e quando Deus lho pede, ama-o, se possível, ainda mais; só assim pode fazer dele um
sacrifício.” 

Abraão só pode sacrificar Isaac porque o ama infinitamente. A Deus não se oferece o refugo do coração, pois só se pode oferecer-lhe o amor maior.

A verdade é que só entramos na noite luminosa da fé quando se oferece a Deus o amado do nosso coração: cada um de nós tem um Isaac do seu coração. 

Fé é reconhecer este Isaac e estar pronto a colocá-lo sobre o altar do sacrifício, no
dia em que Deus quiser. Crer é oferecer o Isaac do seu coração, o único, o amado, oferecê-lo a Deus, porque só Ele é digno desta oferta e deve ser amado assim. Morrer para nascer. 

Perder-se para encontrar-se. 

Abraão morre para os seus sonhos, para os seus desejos, porque está pronto a dar a Deus o seu Isaac, a amar a Deus mais do que a todas as consolações de Deus, a confiar-se perdidamente a Ele. 

Agora Deus pode dizer-lhe: “Sei agora que, na verdade, temes a Deus” (Gn 22,12), porque Abraão ofereceu o Isaac do seu coração: “Sei agora que, na
verdade, temes a Deus, visto não me teres recusado o teu único filho” (Ibidem).

A fé consiste em: crer na possibilidade impossível de Deus, confiar em Deus, apesar do silêncio de Deus, não obstante a noite escura das suas exigências impossíveis! 

O homem de fé sabe que Deus é Deus e que é preciso confiar em Deus sem condições. 

Na verdade, também Deus vive a sua noite por amor aos homens, Também Ele como Abraão oferecerá por nós o Isaac de seu coração.
Afirma Orígenes: “Deus compete magnificamente em generosidade com os homens: Abraão ofereceu a Deus um filho mortal sem que ele morresse; Deus entregou à morte o Filho imortal pelos homens” (Homilia in Genesim, 8).

Portanto, o sacrifício de Isaac acaba por ser realizado plenamente por Jesus e Abraão – assumido como figura do Pai celeste que o sacrifica – pode ser, de direito, considerado o nosso pai na fé, ele que soube crer contra toda a evidência e esperar contra toda a esperança.

Abraão torna-se o Pai na fé para muitos povos, porque amou mais a Deus do que as promessas de Deus: pobre de si, rico de Deus, será rico de uma multidão de filhos, que serão todos aqueles que, ao longo história, haverão de crer na fidelidade de Deus, mesmo no tempo da aparente derrota de Deus ou no tempo do seu silêncio. 
Precisamente por isso, Abraão interpela-nos, a nós que somos seus filhos na fé: creio em Deus porque realiza os desejos do meu coração ou creio em Deus porque Deus é Deus? Amo-o pelas suas consolações ou amo-o porque é Deus, o meu Deus? 
ainda: estou pronto a oferecer-lhe o Isaac do meu coração, a colocá-lo sobre o altar do sacrifício, amando a Deus mais do que à recompensa e à consolação de Deus? 
A Deus não podemos oferecer apenas alguma coisa de nós próprios; a Deus, devemos oferecer-nos a nós mesmos. Então, poderemos dizer que já o amamos e continuamos a amá-lo; então, poderemos viver da fé. Como Abraão, o nosso pai na fé.
E é com a voz de um dos filhos de Abraão que gostaria de concluir esta meditação sobre a segunda noite, a noite da fé.
Trata-se de uma página conhecida como a Carta do Judeu do Gueto de Varsóvia. Embora já se tenha demonstrado que foi escrita noutro lugar, ela mostra bem o que é a fé dos filhos de Abraão e como ela arde na noite do sacrifício. 
texto apresenta o ambiente de 1943: o gueto de Varsóvia está cercado e em chamas. Um após outro, caem todos os seus defensores. 
Numa das últimas casas em que ainda se resiste está presente um filho de Israel. 
E mete numa garrafa vazia um escrito com as suas últimas palavras: “Algo de muito surpreendente acontece hoje no mundo. 
Este é o tempo em que o Onipotente afasta o seu rosto daqueles que lhe suplicam. Deus escondeu ao mundo a sua face; por isso, os homens estão abandonados às suas piores paixões selvagens.
Num tempo em que esta paixões dominam o mundo, é natural que as primeiras vítimas sejam precisamente aqueles que conservaram vivo o sentido do divino e do puro. 
Isto pode não ser consolador, mas o destino do nosso povo é estabelecido não
por leis terrenas, mas por leis ultraterrenas. 
Aquele que empenha a sua fé nestes acontecimentos deve ver neles uma parte da
grandiosa realização dos planos divinos, perante os quais as tragédias humanas não têm nenhum significado. 
Não tentarei salvar-me nem tentarei fugir daqui. Meterei esta carta na garrafa vazia e escondê-la-ei entre as pedras desta janela entaipada até meio. 
Se, mais tarde, alguém a encontrar, talvez possa compreender os sentimentos de um judeu, de um destes milhões de judeus que foram mortos, um judeu abandonado por Deus em quem acreditava muito intensamente.
Creio no Deus de Israel, embora ele tenha feito de tudo para arrasar a minha fé nele. As minhas relações com Ele já não são as de um servo diante do seu senhor, mas as de um discípulo perante o seu mestre. 
Creio nas suas leis, amo-o. E, embora me tenha enganado em relação a ela, continuarei a adorar a sua Lei. 
Dizes que pecamos: certamente que pecamos e também admito que sejamos punidos por isso. 
Contudo, gostaria que me dissesses se há algum pecado na terra que merece tal castigo.
Digo-te isto, ó meu Deus, porque creio em ti mais do que nunca, porque sei que és o meu Deus e não Deus daqueles, cujos atos são o fruto horrível da sua impiedade militante.
Não posso louvar-te pelos atos que toleras, mas bendigo-te e louvo-te pela tua Majestade que inspira temor. 
A tua Majestade deve ser verdadeiramente imensa para que tudo o que acontece neste tempo não te impressione. 
Agora, a morte já não pode  esperar mais. Tenho de deixar de escrever. Minuto a minuto, o tiro das espingardas, nos andares de cima, torna-se cada vez mais fraco. 
Neste momento, caem os últimos defensores do nosso refúgio e, com eles, cai a grande, a bela Varsóvia judaica que teme a Deus. 
O Sol põe-se e eu te agradeço, ó Deus, porque nunca mais o verei surgir. Raios vermelhos chovem da janela: o pedacinho de céu, que posso ver, é flamejante e fluído como um fluxo de sangue. 
Dentro de uma hora, no máximo, estarei junto da minha mulher, dos meus filhos e dos melhores filhos do meu povo num mundo melhor, em que as dúvidas já não dominarão e Deus será o único soberano.
Morro sereno, mas não satisfeito; como um homem abatido, mas não desesperado; crente, mas não suplicante; amando a Deus,mas sem dizer cegamente: Amém. Segui a Deus, mesmo quando Ele me repeliu. 
Cumpri o seu mandamento mesmo quando, para premiar a minha observância, Ele me castigava. 
Amei-o, amava-o e amo-o ainda, embora me tenha abaixado até ao chão, me tenha torturado até à morte, me tenha reduzido à vergonha e ao escárnio. Podes torturar-me até a morte, acreditarei sempre em ti; amar-te-ei sempre, mesmo que não queiras. 
E estas são as minhas últimas palavras, meu Deus de cólera: Não conseguirás fazer com que te renegue.
Tentaste de tudo para fazer-me cair na dúvida, mas eu morro como vivi: numa fé inabalável em ti. 
Louvado seja o Deus dos mortos, o Deus da vingança, o Deus da verdade e da fé que imediatamente mostrará os fundamentos com a sua voz onipotente. 
Shemá Israel, Adonai Elohenu, Adonai echad! Escuta, Israel, o Senhor é nosso Deus, o Senhor é um!”